29 abril, 2010

adiante pelos caminhos

Há dias que os mesmos caminhos de sempre parecem estranhamente diferentes, outros cheiros e sombras, outras caras e sentidos. Poderíamos quase dizer que a cada dia há um novo mundo diante de nós, com todos os objectos da realidade a cruzarem-se entre si num outro formato e até noutra direcção. Tem vezes que até duvidamos do caminho a seguir, este ou aquele. Ou, subitamente, vemo-nos emaranhados em caminhos tantos que dá vontade de percorrer todos para ver os muitos lugares de chegada. E há mensagens que ficam, mesmo depois dessas bocas já se terem calado: adiante pelos caminhos, que a vida faz-se andando.

Retrato: esta língua de terra deve levar a um lugar tão secreto da floresta.

19 abril, 2010

uma mão de coelhos e o gato

Gosto de ver os bichos assim, já tão vincados no seu formato mas ainda a um palmo de estarem aos pulos pelo chão. Cinco. E um. Todos de panos reaproveitados: um casaco preto já sem uso, parte dum lençol que foi encurtado, o saco de uma medida de flôr de sal. Até aqui, enamorada pelas primeiras impressões deste punhado de bicharada alinhavado com a ajuda de algumas mãos. Em alguns dias, com nome. E retrato. É quando os pego no colo e embalo, num encantamento que nem sei explicar mas em que uma parte pequenina de mim passa para eles... e uma parte pequenina deles passa para mim também.

Retrato: bichos em andamento na mecânica tão doce da sua feitura.

13 abril, 2010

num bosque tão mágico

Mais um doce pormenor do meu bosque, onde correm escaravelhos rosa velho e borboleteiam joaninhas com cornucópias na vez de pontos arredondados.
Coelhos de pano saltitam nos meus braços (também um gato, aparecido por acaso), em breve na montra desta quase loja.

Retrato: o encanto dum cogumelo nas lagoas daqui.

12 abril, 2010

quase gosto da vida que tenho

Esta fileira de palavras veio-me aos dedos no título dum livro, mas gosto de soletrá-la como um sentimento ou uma vontade. Ainda gnomos com meio palmo de altura, percebemos que o mundo não é bem como imaginámos na barriga simplista e confortável da mãe. Mais adiante, já elfos de espadas na mão tão prontos a ir adiante pelos nossos sonhos, encontrámos os primeiros muros altos e as pontes desfeitas. Depois, num corpo que tanto poderia ser duma fada ou doutro bicho, acomodados a uma natureza que na sua imperfeição tanto brilha, podemos já dizer esta fileira de palavras "quase gosto da vida que tenho". O que poderia ser feito para riscar o "quase"? Hum, viveria num castelo humilde junto a um sapal, com vestidos leves e os cabelos compridos, mulher, sem pós mágicos mas um coração grande. Se pudesse, voava na brisa da manhã. Nas horas pardas, ficaria no varandim com heras a espreitar os olhos da noite e teria um bolo de bagas num forno morno. Só calcaria o chão da cidade para perguntar sobre o mundo, se estaria já mais luminoso, e trazer mais panos e linhas para continuar a fazer os meus bichos do bosque. Ah, fecho os olhos. E gosto ainda mais da vida que tenho.

Retrato: árvores abraçadas por heras num bosque qualquer.

05 abril, 2010

o tempo para fazer nada ou o tempo para fazer tudo

Há uns dias idos (conformada pela dor aguda na minha mão direita), disse aos meus botões e gentio nos arredores: vou entrar em tempo de fazer nada. Pôr as tesouras e as agulhas na caixa da costura, na gaveta os livros e o computador, na ordem o sono e as conversas: voltar a apreciar a viragem dos ponteiros sem sentir aquela vontade de acabar um bicho de pano, um conto já começado ou uma leitura em falta. O primeiro dia soube a qualquer coisa muito doce, o segundo a qualquer coisa muito mansa, o terceiro a qualquer coisa muito ordenada, o quarto... a qualquer coisa mais vazia. Mais, um punhado de tecidos novos (a serem reaproveitados) chegados aos meus dedos. Respirei fundo, abri a caixa da costura muito devagar e eis que três coelhos começam a alinhavar-se.
Mais do que ter tempo para fazer nada, é preciso tempo para fazer tudo.

Retrato: aquilo que virá a ser um macio coelho de pano (em breve na loja).

03 abril, 2010

o remédio do riso num dia de chuva

É um sopro leve que vem depois da gargalhada tão simples. Razão? Ter dito uma palavra num formato tão distorcido que dá vergonha. Depois de um dia de chuva na gaiola confortável de nome CASA, um punhado de segundos com efeitos curativos.

Novidades: mais uns bichos de pano pensados, ainda no meu comprido bolso (em breve aos pulos pelo chão da loja).