18 dezembro, 2010

inventar tempo

Depois de ter decidido embrenhar-me novamente no ensino formal (mestrado em Mediação Cultural), preciso de inventar tempo. Mas o tempo não se inventa nem se compra, gasta-se. Sentados no seu banco corrido, os bichos vão ter de esperar. Mas quase todas as semanas me sento na cama, encosto a caixa de madeira com rodas onde os guardo e adormeço cada um no meu colo. Definitivamente, amor por coisas de pano.

16 dezembro, 2010

tinha por nome Gaspar

Como gateira, tenho alguma dificuldade em resistir à possibilidade de ter por casa um gato. Este terá sido o meu décimo, depois de me ter obrigado a ponderar mais do que costumo. E foi. Mas por pouco tempo. Numa das suas primeiras aventuras ao mundo lá fora, houve uma máquina de rodas gigantes que não o viu. Não sei quem terá sido, também não me importa, agora. O que mais custa é saber que ele não vai voltar a casa.

Retrato: o doce doce Gaspar.

31 outubro, 2010

com Alma Viva

Os bichos doutrolugar estão agora numa visita à cidade do Porto, na loja tão aconchegante de produtos artesanais com nome quase lírico: Alma Viva, na Praça D. Filipa Lencastre 49.

25 outubro, 2010

o urso azul

... para um rapaz-libelinha que está quase a nascer.

Retrato: urso azul, feito à mão com materiais reaproveitados.

28 setembro, 2010

e mais um gato bichaneiro

Tantos que pude contar por terras mais além. Este, mais empoeirado, mas duns olhos vivos e bem feitos.

Retrato: nos olhos dum gato na beira interior.

27 setembro, 2010

onde o tempo deixou de ser contado

Quase podemos dizer que mudámos o nosso tempo durante esta curta viagem aos lugares que se levantaram da terra ainda antes de Portugal ser nação. Gatos solarengos, a mulher de saias a lavar pêssegos nas águas caídas da pedra, o homem de cajado e chapéu a dizer-lhe "este que me deste amarga na boca". Encantaram-me os ribeiros com marmeleiros nas beiras e o violeta tão macio das urzes.

Retrato: cruzes postas ao alto duma porta, dizem para afastar a trovoada, em Piódão.

21 setembro, 2010

na palma da mão

Fico com aquele frenesim no corpo quando me fazem pousar na palma da mão coisas ainda com cheiro a caixas de papel forradas a tecido floreado já manchado pelo tempo ou baús de madeira carregados de memórias e poeiras. Estes botões e carrinhos de linha e fio devem ter mais para contar do que posso imaginar. Pelas contas da mão generosa de quem veio tanta preciosidade, talvez tragam mais de três décadas. Continuo à procura de matéria-prima para reaproveitar.

Retrato: mais um encontro com objectos do passado.

04 setembro, 2010

o ninho escangalhado

Andamos com caixas, poeiras e memórias de um canto para outro. Uma casa antiga que agora tem novos donos, uma casa provisória que nunca chegará a chamar-se casa e a casa propriamente dita em delicadas obras. Nisto, também sem tecidos para fazer um bicho de pano. Ou um lugar onde possa entender os meus carrinhos de linhas, o dedal e as agulhas, as tesouras, o giz e os lápis de cor. É um bom momento para procura e encanto: tecidos esquecidos nas prateleiras, botões guardados ainda depois da viragem do século, sobras de linhas onde o pó gosta de pousar. Fico tão inteira quando docemente me oferecem caixas com cheiro a tempo ido.

21 agosto, 2010

o feitiço dos gatos

Seja em terras daqui ou estrangeiras, raramente resisto a fazer um retrato simples aos bichos gateiros do mundo. Fico encantada por aqueles olhos grandes que parecem feitos de água e outra coisa qualquer que nos ocupa ainda mais por dentro (bocadinhos de lua, gotas de feitiço, luzes de amizade, nós de amor).

Retrato: dois gatos sem dono numa rua qualquer da cidade.

20 agosto, 2010

viana é amor

Em romaria até domingo numa cidade que é por costume tão quieta e calada. Agora, vemos caras novas, cheiros ousados, mais cores. Até as bocas se rasgam mais em sorrisos e os mais velhos ganham asas de crianças sábias. Balões, pipocas, tamborileiros e lavradeiras, cantigas, bordadeiras, rio e mar. Devotos, curiosos, estrangeiros. Até Amália quis cá voltar.

Se o meu sangue não me engana
como engana a fantasia
havemos de ir a Viana
ó meu amor de algum dia
ó meu amor de algum dia
havemos de ir a Viana
se o meu sangue não me engana
havemos de ir a Viana.

Pedro Homem de Mello, Alain Oulman

Retrato: gigantones na praça da república.

08 agosto, 2010

bichos na rua

Estivemos pela primeira vez na rua com os nossos bichos e algumas coisas, mais um cesto de lavanda e dois ou três punhados de linhas, botões e tecidos reaproveitados. A nossa grande estrela cumpriu um princípio de tarde muito quente e sentiu-se o corpo colado. Mesmo assim, vieram muitos sorrisos, dedos apontados aos bichos e uns narizes na lavanda. A perna de pau da coelha pirata fez estranheza, houve até um vizinho muito agradável que veio perguntar se teria o bicho perdido uma bota. Gostámos muito. Ao começo da noite, fomos espreitar a pousada do freixo sobre o rio. Ficámos encantados, apesar do luxo separatista. Como espreitadores, temos acesso a uma varanda em pedra que se estende pela vista. Gosto muito do Porto por estas descobertas. Muitas delas graças à Cláudia, com raízes na doce cidade.

Retrato: a nossa montra na feira de artesanato da rua galeria de paris e o meu olhar sobrevivente num dia quase tão quente como um grande amor.

04 agosto, 2010

o sapo da Li*

A Li tem um amor tão comprido por sapos. Eis que tenho ensaiado um, precisa de uns ajustes aqui e ali para um molde mais delicado e radioso. Talvez os olhos maiores e umas pernas um niquinho mais curtas. Apesar de ser apenas um ensaio, tem sido feito com grande estima. Depois da vestimenta e últimos pormenores, será tempo de se encontrar com esta encantadora de sapos. Li, ainda não tem nome mas já tem morada. Este, como prometido, é para ti.

Retrato: ensaio sapiesco com tecidos reaproveitados.

02 agosto, 2010

a olhar das nuvens

Esta gata bichaneira estava na gaveta há um tempo bem comprido. Não havia vestido que assentasse nem nome que viesse. Até que veio e já tem lugar para onde ir, talvez. Chama-se Floreana e afinal é rapariga. Agora, até olha lá de cima das nuvens. Não tem um riso encantador?

Retrato: Floreana numas mãos levantadas.

01 agosto, 2010

artesanato na galeria de paris, Porto

É a primeira vez que os meus bichos vão estar numa rua. Talvez ponha na lista algumas ventoinhas imaginárias, uns pós mágicos e a brisa doce tão especial. Aproveito para pisar o grande Porto, num canto que me encanta (aqueles palmos de terra em volta dos clérigos), e ver gente doutros lugares. Estes dias vou tentar decidir-me por alguns dos meus bichos para levar. O mais importante? Que haja uma troca de qualquer coisa emotiva entre eles e nós, entre os outros e eu, entre eles e os outros, entre nós e ninguém, entre os outros e todos.

Mais informações sobre a feira aqui.

Retrato: cartaz da próxima feira de artesanato na rua galeria de paris, Porto, sábado 7 de agosto '10.

31 julho, 2010

ainda antes de mim

... a minha mãe comprou este livro, um ano depois de ter casado, 1971. Posso dizer que cresci a ver esta capa na prateleira mais alta da cozinha e a mãe a procurar receitas e conselhos. Gostaria de ter em mãos um outro livro da mesma colecção, Enciclopédia da Agulha, com data anterior. Este, A Mulher na sala e na cozinha, é da 11.ª edição, Editorial Lavores. Começa assim: "Toda a dona de casa, mesmo no lar mais modesto, deve sentir prazer em embelezar a mesa à volta da qual se reúne a família, à hora das refeições. Não terá que atender só aos dias de festa, aos jantares de cerimónia ou às recepções de visitas. Para o bem estar dos seus, a dona de casa procurará sempre trazer novos atractivos ao lar e, consequentemente, à sua mesa, tornando-a quanto possível agradável, dando-lhe um ambiente simpático e alegre."

Retrato: um prato que estava num caixote pronto a ser levado para o lixo (encantaram-me os tons suaves entre o azul e o violeta) e o livro que tem mais de 40 anos.

21 julho, 2010

vindo d'outro lugar

... um dianteiro coelho pirata.
Digo sempre que será o último bicho de pano antes do outono, tempo em que aprecio muito estar embrulhada no sofá a costurar com os dedos e a boca, mas apetece-me mais um assim ou assim. Fico encantada depois, com o último no colo. E depois o novo último. E o novo novo último. Agora, prometi às minhas mãos que o coelho pirata seria uma vírgula e que vou dedicar mais tempo aos bichos de pêlo verdadeiro e aos sobrinhos e aos amigos. O verão é mais doce assim: com muito temmmmmpo.

Retrato: coelho com perna de pau.

09 julho, 2010

a vergonha e a inveja

Sempre fui rapariga de vergonhas. Vergonha de falar, vergonha de perguntar, vergonha de desenhar também. Ainda hoje. Tem vezes, perco a vergonha e mostro os rabiscos sujos num papel qualquer. Como este. Depois, vem a inveja. Inveja doce, claro. Aquela feita de entusiasmo. Se não fosse o que sou, seria desenhadora. Talvez. Portanto, a todas as mãos dedicadas ao desenho, como estas, estas e estas, um doce beijo para agradecer as boas horas a admirar-lhes o encantador traço. A mim, digo: ajeito-me mais com agulhas do que com lápis.

Retrato: esboço dum quase rapaz com boina de bolota.

08 julho, 2010

a doutrolugar na loja Es_Passo

Os bichos doutrolugar já podem ser encontrados num ninho de artesanato ainda embrião na cidade-mãe, Viana do Castelo (Rua Mateus Barbosa, 8). Com alguns palmos de chão, mas muita grandeza em cada peça. Que seja um doce princípio. Encantaram-me as figuras tão leves da Senhor de Si.

Retrato: mão etiqueta.

24 junho, 2010

o vento sopra o barco de papel

uma noite mais branca

Já não sabia do cheiro macio dos gatos com um palmo de altura. Gosto de amansar-lhes o pêlo e cheirar-lhes a barriga ainda tão redonda e ponteada. Continuam hermafroditas para mim, por muito que me digam sobre a regra dos dois pontos (macho) e do ponto e vírgula (fêmea). Este (ou esta) ficou cá em casa esta noite - dormimos os dois no sofá, diante de tanta miadeira - não posso dizer que estou inteira, mas soube a compota de mirtilos com framboesa ter este bicho junto a mim. Amanhã é o dia de alguém vir buscá-lo (la). Que seja um doce primeiro dia.

Retrato: um dos nossos gatos bebés num encontro casual com um dos nossos gatos bichaneiros.

23 junho, 2010

depois das cinzas

... voltou a florir.

Retrato: flor de orquídea depois dum tempo comprido sem cor e duma experiência amarga com um senhor bonsai.

20 junho, 2010

o colo é um lugar doce

Tenho-me encantado com os ensaios simiescos. Neste, em tons terra e azul esbatido, esbocei o primeiro chapéu. Simples, sem costura à máquina. Apenas dedos e dobraduras. Molde? Aquele tão pouco complicado que aprendemos em criança para fazer barquinhos de papel. Ver aqui.

Retrato: mademoiselle Purpurina no colo depois dos últimos detalhes.

16 junho, 2010

a fazer mais macacos

Enquanto abrilhanto o meu tempo com as mãos em mais ensaios simiescos, começam a chegar-me fileiras de palavras como se sussurradas ao ouvido: "orelhas de macaco", "macacos no nariz", " cada macaco no seu galho", "um macaco também cai da árvore", "com macacos na cabeça", "macaco velho", "o macaco só vê o rabo dos outros", "pentear macacos", "cara de macaco", "fim da macacada" e FAZER MACACOS.
Parece-me que o nosso amor por eles é MUITO maior do que imaginamos.

13 junho, 2010

garotas e rapazotes de bigode

Desde menininha que me lembro de mim com bichanos. No colo, nos pés, na cama, no sofá. Fosse aqui ou acolá, o meu bchhh-bchhhhhssst vinha intuitivamente à boca, num amor grande e resistente aos acrobatas senhores de bigode. E senhoretes, claro. Também bigodeiras e com a delicadeza de donzelas por inteiro. A Violeta veio já com a barriga alinhavada de muita vida e, diante do entusiasmo da casa, eis que nos encantou com as suas crias no aconchego do nosso jasmim. Ainda levanta o pêlo e bufa quando tentamos embalar os pequenotes no colo, mas, depois dum primeiro aviso, aproveita para arejar pelo jardim enquanto trocamos experiências com os rebentinhos (confia nas nossas habilidades gaternais). São quatro, começam agora explorar o mundo depois do ninho, muito curiosos e ainda duvidosos (preciso acrescentar espertos e doces). Por muito apego que haja, procuramos possíveis casas para que possam crescer com amor, dedicação e espaço.

Retrato: as crias da Violeta no segundo dia de exploração do mundo lá fora (confesso que, até hoje, ainda me parecem todos hermafroditas, portanto, precisamos de mais alguns dias para dizer se menina ou menino).

07 junho, 2010

um quotidiano de pormenores

Gosto de viajar pela descoberta de pormenores noutros lugares, por mão doutra gente ou da grande natureza. Fazer os meus dedos tocarem uma parede alinhavada por artistas doutros tempos, seja ontem ou amanhã, os meus olhos diluirem-se em objectos pensados por cabeças doutras formas e o meu coração despojar-se de um punhado de preconceitos e embeber-se no mundo mais como ele é: sem certezas nem importâncias. E agrada-me tanto a palavra saudade quando a sinto.

Retrato: pormenor de Gaudí na casa de Batlló, Barcelona.

02 junho, 2010

o fio umbilical de todos

Se há coisa que me prende a vontade é a possibilidade de trocar experiências e sensações com os outros, seja através duma fotografia, dum riso ou dum boneco de pano. Afinal, há um fio umbilical que nos cruza a todos. Ainda que utópico, seria doce o mundo se assim se cumprisse o amor universal. Mas, como vim a aprender, se fizeres o bem no quadrado curto da tua casa, já é um grande passo para o bem-estar de um bom punhado de gente.
Amanhã vou dar um pulo a Barcelona, renovar alguns sentidos e pulsações. Ainda engendrei levar no bolso um dos coelhos espertos ou a Umblina, o primeiro ensaio simiesco, mas vou esforçar-me por cortar algumas das raízes que teimam atar-me a um único lugar. Aqui. Para não falar da bicha de quatro patas, que fica na casa dos pais. Como tem um peso superior ao exigido só poderia viajar no porão (para já, uma hipótese riscada). E, por este gosto pelo cruzamento de interioridades entre gente de outros lugares, fizemos uns acertos na nossa loja virtual e tem agora segunda língua. Para breve, mais um ou outro coelho, um ou outro símio e, GAHHARRA-GGARR, um PIRATA. Com perna de pau.

Retrato: uma parede vinda do studio VIOLET, o ninho criativo de Camilla Engman e Elisabeth Dunker.

22 maio, 2010

o muffin e a dentada do gato

Não sou rapariga boleira, mas tenho bocas à minha volta que perguntam por coisas doces. Então, que comam queques feitos em casa com capricho e graça. Eis os muffins de cenoura e aveia. Para escapar aos números certos da balança, podemos usar uma chávena como medida (para 12, uma de 200 ml):
> 1 chávena de flocos de aveia para cozinha rápida
> 1 chávena e meia de farinha (branca ou integral ou mistura)
> meia chávena de açúcar amarelo
> 1 colher de sopa de fermento
> meia chávena de cenoura raspada
> um quarto de chávena de laranja raspada
> sal a gosto
> 2 ovos
> 1 chávena de leite com 1 colher de sopa de sumo de limão

Misturar os ingredientes secos, depois juntar os ovos e, por fim, o leite com o limão. Sem maquinaria, mexer durante pouco mais de meio minuto com uma colher de pau até ficar uma massa simpaticamente homogénea. Juntar passas, nozes, canela, alperce ou ameixas secas, se a gosto. Levar ao forno em 180 graus durante 30 minutos. Prontos a serem dentados. Ah, reservar em local onde bichos de pano não consigam chegar. Aviso: os daqui ADORAM.

Retrato: o gato de pano e um queque caseiro bem dentado.

20 maio, 2010

a magia do sapal

Lembro-me de ter cinco palmos de altura e ouvir as estórias da mãe antes de dormir: a única regra seria acontecer na floresta e com animais da floresta. Curioso é aperceber-me de que há sempre lugar para um sapo, bicho tão gostado que ora vira um rapaz bonito da realeza ou tem poderes mágicos aprendidos com a bruxa da casa-árvore e as fadas dos laranjais. Talvez por isto, encanta-me qualquer sapal com canas e lagos. Cá na terra, há este ainda. Quando a lua se abrilhanta no céu (em pós de prata que vão caindo), pode ouvir-se o coaxar como se uma cantiga de embalo. Poderia dizer-se que, por momentos, estamos dentro duma estória inventada.

Retrato: um canavial junto ao rio Lima.

16 maio, 2010

o ensaio simiesco

É do rapaz que vem este gosto por macacos. Tem um enamoramento por eles, nunca esgaravatei porquê. Depois, vem também dos mais velhos quando perguntam, delicadamente tem feito mais macacos?. A vontade é dizer antes gatos e coelhos, mas alinhavo um sorriso que adianta um sim convicto. Sim, tenho feito mais macacos. Ou antes: o primeiro macaco na doutrolugar. Assim, em nome do rapaz com amor por eles e dos mais velhos que perguntam por eles, eis o dianteiro ensaio simiesco. E num impulso tão natural dou comigo a cantarolar a música do José Cid como o macaco gosta de banana eu gosto de ti...

Retrato: a quase Umblina, também com reaproveitamento.

14 maio, 2010

13 maio, 2010

a vida que mais quis

É costume ouvir no quadrado de gabinete "nem todos temos o que sonhámos, nem todos temos o que merecemos, nem todos podemos ser felizes". Também é costume ouvir "o homem é o eterno insatisfeito, o homem é exigente, o homem não sabe aproveitar as oportunidades". Perguntar-me sobre felicidade levanta uma urticária por todo o corpo, contorço-me na cadeira e quase mordo os dentes. Pode ser coisa simples e complicada, doce ou amarga. Mais uma vez, é uma questão de perspectiva. E definição. O que é ser feliz, afinal? Podia dizer escrevinhar contos, alinhavar bonecos de pano, fazer o meu ofício. Ou outro tanto de motivações mais. Podia pronunciar nomes, objectos, viagens. Bens, sonhos e projectos. Para mim, ser-se feliz pode ser simplesmente manter a nossa lente do mundo o mais sensata possível e saber reciclar cada momento em aprendizagens, prazer e ajuda. Ser-se feliz? Como num filme recente, "é aceitar tudo aquilo que nos acontece". Remato, ainda "e ajudar a fazer acontecer".

Retrato: a coelha Rosa Celeste com uma flor-botão.

06 maio, 2010

falar pretamente

Quando mostrei a nossa Maria Preta aos primeiros olhos, veio a pergunta: um coelho preto? Com as duas mãos, tapei as orelhas tão compridas da bicha de pano e esbocei um sorriso amargo. Quem os ouve, até parece que nunca viram um gato púrpura ou uma raposa azul. Já para não falar dum lobo amarelo torrado ou dum anjo castanho cacau. Isto faz-me lembrar quando vou às escolas falar com os meninos pequeninos sobre escrita, contos e poesia e me perguntam o meu animal preferido. Faço por inventar um qualquer na hora: seja o morcegato ou o cãomaleão. Eles riem e continuam a estória, imaginam o bicho estranho, como anda, voa ou fala. É isto que me prende tanto à simpleza das crianças: a abertura para imaginar um mundo mais encantado (chamo-lhe efeito "a vida é bela", pelo filme do Benigni).

Retrato: a coelha Maria Preta, em breve na nossa quase montra.

04 maio, 2010

alguém disse dos gatos e coelhos

Se há coisa que me apaixona todos os dias é levantar-me de manhã, espreguiçar-me e ouvir já os saltos da minha bicha de quatro patas a transbordar alegria. Sobe-me pelas pernas, lambe-me as mãos, na sua cara achatada e parda nota-se um sorriso quase. Talvez tenham, afinal, um miolo neuronal mais ajustado ao mundo. É de uma generosidade tal que apetece estar sempre, até a noite de sono parece comprida de mais. Poderíamos nós homens copiar o código para uso corrente?

Retrato: dois bichos de pano numa amizade sem as fronteiras do preconceito.

03 maio, 2010

aos saltos pelo chão da casa

Todos prontos para o primeiro nome e retrato. Numa dianteira impressão, parecem ariscos e doces, risonhos e comedores. Cenouras, aipo e botões. Ah, fazedores de amizades com gatos e gente.

Retrato: um dos coelhos de pano, para breve numa feira de artesanato.

29 abril, 2010

adiante pelos caminhos

Há dias que os mesmos caminhos de sempre parecem estranhamente diferentes, outros cheiros e sombras, outras caras e sentidos. Poderíamos quase dizer que a cada dia há um novo mundo diante de nós, com todos os objectos da realidade a cruzarem-se entre si num outro formato e até noutra direcção. Tem vezes que até duvidamos do caminho a seguir, este ou aquele. Ou, subitamente, vemo-nos emaranhados em caminhos tantos que dá vontade de percorrer todos para ver os muitos lugares de chegada. E há mensagens que ficam, mesmo depois dessas bocas já se terem calado: adiante pelos caminhos, que a vida faz-se andando.

Retrato: esta língua de terra deve levar a um lugar tão secreto da floresta.

19 abril, 2010

uma mão de coelhos e o gato

Gosto de ver os bichos assim, já tão vincados no seu formato mas ainda a um palmo de estarem aos pulos pelo chão. Cinco. E um. Todos de panos reaproveitados: um casaco preto já sem uso, parte dum lençol que foi encurtado, o saco de uma medida de flôr de sal. Até aqui, enamorada pelas primeiras impressões deste punhado de bicharada alinhavado com a ajuda de algumas mãos. Em alguns dias, com nome. E retrato. É quando os pego no colo e embalo, num encantamento que nem sei explicar mas em que uma parte pequenina de mim passa para eles... e uma parte pequenina deles passa para mim também.

Retrato: bichos em andamento na mecânica tão doce da sua feitura.

13 abril, 2010

num bosque tão mágico

Mais um doce pormenor do meu bosque, onde correm escaravelhos rosa velho e borboleteiam joaninhas com cornucópias na vez de pontos arredondados.
Coelhos de pano saltitam nos meus braços (também um gato, aparecido por acaso), em breve na montra desta quase loja.

Retrato: o encanto dum cogumelo nas lagoas daqui.

12 abril, 2010

quase gosto da vida que tenho

Esta fileira de palavras veio-me aos dedos no título dum livro, mas gosto de soletrá-la como um sentimento ou uma vontade. Ainda gnomos com meio palmo de altura, percebemos que o mundo não é bem como imaginámos na barriga simplista e confortável da mãe. Mais adiante, já elfos de espadas na mão tão prontos a ir adiante pelos nossos sonhos, encontrámos os primeiros muros altos e as pontes desfeitas. Depois, num corpo que tanto poderia ser duma fada ou doutro bicho, acomodados a uma natureza que na sua imperfeição tanto brilha, podemos já dizer esta fileira de palavras "quase gosto da vida que tenho". O que poderia ser feito para riscar o "quase"? Hum, viveria num castelo humilde junto a um sapal, com vestidos leves e os cabelos compridos, mulher, sem pós mágicos mas um coração grande. Se pudesse, voava na brisa da manhã. Nas horas pardas, ficaria no varandim com heras a espreitar os olhos da noite e teria um bolo de bagas num forno morno. Só calcaria o chão da cidade para perguntar sobre o mundo, se estaria já mais luminoso, e trazer mais panos e linhas para continuar a fazer os meus bichos do bosque. Ah, fecho os olhos. E gosto ainda mais da vida que tenho.

Retrato: árvores abraçadas por heras num bosque qualquer.

05 abril, 2010

o tempo para fazer nada ou o tempo para fazer tudo

Há uns dias idos (conformada pela dor aguda na minha mão direita), disse aos meus botões e gentio nos arredores: vou entrar em tempo de fazer nada. Pôr as tesouras e as agulhas na caixa da costura, na gaveta os livros e o computador, na ordem o sono e as conversas: voltar a apreciar a viragem dos ponteiros sem sentir aquela vontade de acabar um bicho de pano, um conto já começado ou uma leitura em falta. O primeiro dia soube a qualquer coisa muito doce, o segundo a qualquer coisa muito mansa, o terceiro a qualquer coisa muito ordenada, o quarto... a qualquer coisa mais vazia. Mais, um punhado de tecidos novos (a serem reaproveitados) chegados aos meus dedos. Respirei fundo, abri a caixa da costura muito devagar e eis que três coelhos começam a alinhavar-se.
Mais do que ter tempo para fazer nada, é preciso tempo para fazer tudo.

Retrato: aquilo que virá a ser um macio coelho de pano (em breve na loja).

03 abril, 2010

o remédio do riso num dia de chuva

É um sopro leve que vem depois da gargalhada tão simples. Razão? Ter dito uma palavra num formato tão distorcido que dá vergonha. Depois de um dia de chuva na gaiola confortável de nome CASA, um punhado de segundos com efeitos curativos.

Novidades: mais uns bichos de pano pensados, ainda no meu comprido bolso (em breve aos pulos pelo chão da loja).

28 março, 2010

a poesia das mãos

Sempre me despertaram encanto as feituras das mãos, como se poesia moldada por dedos de amor e todo um coração imaginário. Hoje, origami. Na ideia, tenho uma parede inteira de borboletas. É um segredo: quando um bicho asado vem no meu encontro na rua da cidade ou na janela de casa e me acaricia com os pós macios das suas asas, fecho os olhos. Por segundos, posso usar a palavra abençoada.

Retrato: duas borboletas em papel reaproveitado num primeiro ensaio da arte das dobragens

20 março, 2010

o amor num formato natural

Acontece, tem vezes. Vamos com a mão certeira ao cesto das coisas vindas na mãe natureza e recuamos. O amor ali, diante dos nossos olhos, num formato tão natural. O quivi com um sorriso docemente traçado. A laranja com uma criança no meio. O pêssego gémeo dum único caroço. A batata em modos de coração. Depois, ficam bem à vista. A boca engole a própria gula e as coisas vindas da mãe natureza passam a fazer parte da nossa vida. Ficam ali dias. Olhamos, apalpamos, sentimos, sorrimos. É muito confortável perceber que momentos tão simples nos fazem sentir esta viagem como especial.

Retrato: batata em modos de coração

18 março, 2010

a grandeza da nossa casa

Temos andado numa procura quase amarga pela CASA. Apontamos com o dedo cheio de amor mas, na maior parte das vezes, os homens engravatados dizem: recentemente vendida, a precisar de muitas obras, com inquilinos, permutada há dias, com vizinhos por cima, sem lugar para estacionar, blá, blá, blá. Até que esta semana encontrámos. Não é de papel nem de tecido, mas é pequenina. Não tem inquilinos nem vizinhos por cima. Ah, e tem um curto jardim para a nossa cadela-gato esticar-se à luz da grande estrela. Temos roído as unhas. É um nervosinho e uma doçura, é o medo e uma enorme vontade. Será que os meus bichos vão ser costurados lá num amanhã muito breve?

Retrato: casa de pássaro reaproveitada da esprit cabane

11 março, 2010

a resistência da boa amizade

Quando os fios da empatia se entrelaçam, nem o pau nem o gato se desprendem. Eis o doce exemplo num canto confortável da nossa sala.

Retrato: o abraço sentido entre o boneco de pau ainda sem nome e um gato bichaneiro chamado Gaspar Hortelã (disponível na loja).

10 março, 2010

a língua é um lugar estranho

A língua pode sentir sabores, apalpar texturas, lamber rostos, humedecer linhas, beijar bocas, dizer todas as palavras que flutuam no mundo. É aqui que se levanta o amargo mais vil, quando a língua de alguém se desprende em indelicadezas. É tão possível falarmos entre tantos com a cortesia que só usamos de vez em quando, é tão reconfortante falarmos entre tantos sem muros nem espinhos. Gosto das utopias porque me amansam a alma, como a Alice do País das Maravilhas que acredita em seis coisas impossíveis antes do pequeno-almoço (como sublinho esta proposta imaginária). Mas se há uma utopia pela qual poderei vir a cegar-me como crente devota é que a maior parte do universo humano (e, sim, inclui a felicidade, o amor e a amizade) está inteiramente ligada ao formato da nossa língua (leia-se sensatez no falar).

Antes de se falar, que se escute. Antes de se dizer, que se pondere. Na vez de acusarmos de que não gostamos disto, por que não explicar que gostamos mais daquilo?

06 março, 2010

o quase bicho cor de rosa

A uns alinhavos de ficar pronto.

Ando a experimentar novos formatos. Todos me encantam, num amor de criança. Por mim, pespontaria uma floresta de pano.

Retrato: o primeiro bicho rosa da doutrolugar, em breve disponível na loja.

05 março, 2010

o aroma da primavera

Parece que somos muitos assim: os novos aromas da quase primavera traz-nos flores aveludadas e coelhos saltitantes à cabeça. Eis o meu primeiro bicho de orelhas compridas, feito com tecidos e linhas reaproveitadas.
Aproveito para agradecer a simpatia da dona senhora mãe que há dias me entregou um último pacote de novelos de linhas que, doutra forma, seriam desperdício. Mais um pequena empresa que fechou as portas. Que haja vontade e oportunidade de florescer de novo.

Retrato: primeiro coelho da doutrolugar, disponível numa loja encantadora, Design com Texto.

03 março, 2010

o doce humor da natureza

Acordamos encrespados com a precisão cortante do despertador, com a balsâmica culpa do consciente atraso, com a asfixiante esperança de vir a ser fidalgo à conta dum bilhete da lotaria. Faca na mão, nem sempre nos entusiasmamos com o perfume rejuvenescedor das tostas com manteiga ou do leite aquecido com chocolate. O cão madrugadeiro também salta aos nossos pés, alegre. O pássaro preso do vizinho canta afinado, o gato no cio mia sem vergonha. Ah. Nas mãos um simples quivi tem um sorriso cravado na pele. Hoje não o como. Amanhã quero ter este doce humor diante dos meus olhos, outra vez.

Retrato: fruto com traço de alegria.

26 fevereiro, 2010

os contornos da vida

Hoje acordamos de sorriso comprido, depois estranhamente os olhos se curvam tristes. No dia seguinte revoltados ou sensíveis, delicadamente emotivos e desesperançados. Apaixonados, ditadores, ridículos. Com vontade de inovar, com vontade de desaparecer, sem vontade.

Há um lugar onde me sinto quase sempre bem: no meu sofá, a alinhavar panos antigos e a pontear caras de bichos que, quando já feitos, embalo no colo. Sempre que um se tem inteiro, tomo-o nos braços. Amanhã pode ir de viagem para um novo dono e não quero que vá sem o meu abraço.

Poderia ser sempre assim, na vida, não importam os contornos e enchimentos. Deveria sempre haver tempo para o embalo.

14 fevereiro, 2010

a simpleza do amor

Num dia em que se fala de amor, seria tão doce tê-lo como gratuito e inteiro. Um estado quase insustentável de partilha e lealdade, numa harmonia universal com os bichos, as gentes e as coisas. Se soubesse, rascunharia num guardanapo a fórmula do amor. Ou combinaria as ervas possíveis para um chá que nos inebriasse o coração. Fica a ideia.

Mais gatos e raposas a serem alinhavos. Em breve, saberemos o nome.

Retrato: ensaio dum chá universal do amor
(usado para tingir o algodão branco dos meus bichos costurados pelos dedos, chá preto e baunilha).

11 fevereiro, 2010

o defeito horizontal do pensamento

O mundo visto do chão é mais doce. Os olhos postos no acima da vida, na grandeza dum voo simples da borboleta mais vulgar, nas poeiras cintilantes que vão caindo sobre nós. Quando me levanto, tropeço no meu próprio pensamento. Tem um defeito, é horizontal. Bichos e coisas numa única linha, homens e ideias num mesmo lugar. A verticalidade na linguagem incomoda, ainda mais no coração. Hierarquias, superioridades, títulos, reverências. Somos gente, bicho e coisa, num universo que se vai fazendo de memórias e imaginação. O coração do pássaro livre tem outro batimento que não o nosso, mas será por isso menos valioso?

Retrato: um bicho asado com vontade de ir tão longe.

28 janeiro, 2010

os dentes afiados do amor

O amor é um lobo manso, pardacento e luzidio. O amor é um lobo manso com dentes afiados, que ora nos mordisca e faz rir, ora nos morde e faz correr.
Pode também ser os dedos picados das agulhas e, mesmo assim, ter uma vontade esganada por ver o bicho abrilhantado na prateleira dos FEITOS.

Retrato: o meu primeiro lobo de pano reaproveitado, Manso Anoitecido, já apalavrado para o dia de são valentim duma menina mulher.

24 janeiro, 2010

eis a mademoiselle Julieta Lua

Pronta. Na dúvida para o tecido do vestido, acabei por ceder à suavidade deste, num veludo fino e macio com cores mansas. Afinal, a minha raposa é um bicho de amores e simpatias. Não veio da Lua, mas aprecia a companhia do satélite natural. É que, de noite, todas as raposas são pardas. Ou serão os gatos?

23 janeiro, 2010

a quase raposa

Um rascunho num envelope pronto para ser reciclado levou à vontade de fazer uma senhora raposa. Ainda em partes, quase inteira.
Em pulgas para tê-la em mãos, corpo feito e vestido aprumado.
Talvez amanhã. Ou ainda hoje, se o tempo vier comprido.

22 janeiro, 2010

bocados de terra por toda a parte

É sempre tão doce receber por correio um mimo com cheiros de antes, sabão de Viana como os lençóis da minha infância.
Obrigada, C.
Há bocados da nossa terra por toda a parte...

Retrato: sabonete Viana muito perfumado, comercializado entre 1930-1960, reeditado fielmente em 2008 para a loja A Vida Portuguesa | desde sempre.

21 janeiro, 2010

a viagem da Pimenta Parda

Dizem que os gatos de casa vêm duma variante evolutiva dos gatos selvagens e que os cruzamentos entre diferentes espécimes os tornaram mais curtos e mais doces. Dizem também que os gatos foram domesticados no Oriente Médio, nas primeiras vilas do Crescente Fértil e que os sinais mais antigos de amizade entre homens e gatos datam de 9500 anos atrás e foram encontrados na ilha de Chipre.

A Pimenta Parda é também uma felina, mas vinda de panos e outras coisas reaproveitadas e recicladas. Criatura razoavelmente mansa, mas com o traço arisco de qualquer bicho viajante. Tem lavanda no corpo, pode cheirar-se enquanto a temos nos braços. A Pimenta Parda vai a caminho duma terra com litoral, gente e amor. Encontrará outros bichos, outras mãos. Mas na oficina fica metade do coração. Obrigada, F.

Retrato: o princípio da sua viagem numa caixa de cartão confortável, reutilizável e reciclável.