28 janeiro, 2010

os dentes afiados do amor

O amor é um lobo manso, pardacento e luzidio. O amor é um lobo manso com dentes afiados, que ora nos mordisca e faz rir, ora nos morde e faz correr.
Pode também ser os dedos picados das agulhas e, mesmo assim, ter uma vontade esganada por ver o bicho abrilhantado na prateleira dos FEITOS.

Retrato: o meu primeiro lobo de pano reaproveitado, Manso Anoitecido, já apalavrado para o dia de são valentim duma menina mulher.

24 janeiro, 2010

eis a mademoiselle Julieta Lua

Pronta. Na dúvida para o tecido do vestido, acabei por ceder à suavidade deste, num veludo fino e macio com cores mansas. Afinal, a minha raposa é um bicho de amores e simpatias. Não veio da Lua, mas aprecia a companhia do satélite natural. É que, de noite, todas as raposas são pardas. Ou serão os gatos?

23 janeiro, 2010

a quase raposa

Um rascunho num envelope pronto para ser reciclado levou à vontade de fazer uma senhora raposa. Ainda em partes, quase inteira.
Em pulgas para tê-la em mãos, corpo feito e vestido aprumado.
Talvez amanhã. Ou ainda hoje, se o tempo vier comprido.

22 janeiro, 2010

bocados de terra por toda a parte

É sempre tão doce receber por correio um mimo com cheiros de antes, sabão de Viana como os lençóis da minha infância.
Obrigada, C.
Há bocados da nossa terra por toda a parte...

Retrato: sabonete Viana muito perfumado, comercializado entre 1930-1960, reeditado fielmente em 2008 para a loja A Vida Portuguesa | desde sempre.

21 janeiro, 2010

a viagem da Pimenta Parda

Dizem que os gatos de casa vêm duma variante evolutiva dos gatos selvagens e que os cruzamentos entre diferentes espécimes os tornaram mais curtos e mais doces. Dizem também que os gatos foram domesticados no Oriente Médio, nas primeiras vilas do Crescente Fértil e que os sinais mais antigos de amizade entre homens e gatos datam de 9500 anos atrás e foram encontrados na ilha de Chipre.

A Pimenta Parda é também uma felina, mas vinda de panos e outras coisas reaproveitadas e recicladas. Criatura razoavelmente mansa, mas com o traço arisco de qualquer bicho viajante. Tem lavanda no corpo, pode cheirar-se enquanto a temos nos braços. A Pimenta Parda vai a caminho duma terra com litoral, gente e amor. Encontrará outros bichos, outras mãos. Mas na oficina fica metade do coração. Obrigada, F.

Retrato: o princípio da sua viagem numa caixa de cartão confortável, reutilizável e reciclável.

15 janeiro, 2010

a leve transparência de ser

Há uma mulher com quem falo, vezes por vez. Tem um rosto simples e bonito, apetece beijar com delicadeza. As falas destilam-se na boca dela, sem pudor nem ousadia. É uma mulher com transparência, leve e fina. Os olhos abrilhantam-se num fogo doce e o sorriso bem pespontado abre-se. Sou uma tonta., soletra. Digo tudo o que me vai cá dentro e depois olham para mim como se fosse uma enloucada. Fico calada diante de tanta pureza. Dá-me vontade de estender-lhe as minhas mãos, apertar-lhe os dedos. Esta mulher com quem falo tem um amor desmedido pelos bichos e pelas gentes. Embala no colo os animais perdidos da rua, faz a cama na própria casa para estrangeiros sem vizindade, corre o mundo por uma ideia em que acredita. Pode chorar, vezes por vez. Podia ter dado mais. Sacode a bata branca como quem levanta poeiras e memórias. Olha pela janela. Sinto-me pequena. Não sei dizer muito. A mim, parece-me que sabe dizer tanto. Há uma mulher com quem falo. E ainda bem.

Os tecidos reaproveitados vão diminuindo na minha prateleira. Daqui a nada é tempo de voltar às senhoras costureiras e ateliers de decoração. São sempre tão generosos e eu, braços carregados de texturas e padrões, sinto-me uma criança a quem deram algodão doce de muitas cores.
A todos os que me têm ajudado neste desafio de artesanato ecológico, OBRIGADA.

Retrato: pormenor de anjo no palácio de Versalhes.

11 janeiro, 2010

o estado do corpo

Quando estamos adoentados, é como se o corpo passasse do estado sólido para líquido ou mesmo gasoso. Metida nos lençóis, pestajenava mais depressa para dizer sim, mais devagar para dizer não. Os meus bichos de trapos ficaram sentados na prateleira, numa espera silenciosa pelo meu regresso. Uns sem braços, outros despidos, outros ainda por fazer, aos saltos para ganharem algum formato que fizesse deles qualquer coisa. Sempre de pijama, desbotada, com uma sede de mulher abandonada num deserto febril, as mãos pediam costura ou escrita. NADA. Só pestanejava mais depressa para dizer sim, mais devagar para dizer não. E lembrei-me do meu avô, já noutro lugar que não este. O mais importante na vida é a saúde. Quando mais pequena, considerava o pedido muito descolorido e sem graça (de tão modesto). Hoje, sim. O estado do corpo merece cuidados e mais de amor. É através dele que o nosso íntimo se revela.

Hoje declaro-me de volta ao ofício e, com a ajuda das mãos perfeitas da mãe, mais seis vestidos vieram para os gatos bichaneiros e homens angelus ainda tão nus (em breve nas novidades da loja DOUTROLUGAR).

Retrato: fico encantada a observar este objecto, no Louvre - na minha cabeça, é um cavalo de pau no imaginário das crianças do Antigo Egipto.

09 janeiro, 2010

poema de homens costureiros

| feitura dum sonho bom |

Dorme, dorme, meu menino
na luz branda duma lua aveludada,
que a noite por duas mãos finas
pesponta sonhos a linha de prata.
Dorme, dorme, meu menino
no sopro doce dum vento acetinado,
que a noite por duas mãos perfeitas
alinhava vontades a fio dourado.
No céu, estrelas cosidas por dedos certeiros.
Por terra, bichos franzidos com agulha e dedal.
Dorme, dorme, meu menino,
que num lugar de mestres costureiros
não há tristura sem conserto
assim que outro dia começa ao canto do pardal.

06 janeiro, 2010

a perspectiva enervante

Depois das primeiras aulas de filosofia com o professor de óculos redondos, ainda as raparigas de peito liso e os rapazes sem penugem na barba, pouco se pode comparar às asas voadoras que a expressão "depende da perspectiva" me puseram no corpo. Acabaram-se os conflitos entre bocas e até já podíamos responder às ditaduras afectivas dos pais. Sentia-me um pequeno génio em ascensão, aos tropeços nos meus erros, sim, mas sem dar grande valor à pequenez do ser humano diante da grandeza do conhecimento (e desconhecimento também). Afinal, "tudo depende da perspectiva". Com o tempo, tem-me desencantado o escape intelectualizado da expressão, com tanto de subtileza como de letargia. Já não me parece a solução brilhante para a harmonia no mundo, mas um obstáculo no movimento criativo da minha mente. Ousemos mais, então. Novos formatos de leitura, novas ferramentas de mudança. Não basta nos encolhermos na viabilidade das muitas perspectivas, mas pormos os pés na terra para ir adiante de mãos dadas.

03 janeiro, 2010

a bondade encoberta

O linguajar de ontem rodopiou em volta da bondade humana, virtude de GRANDEZA sem número nem letra e tão encoberta como a esperança por dom sebastião numa noite de nevoeiro. Sabe-se da mulher que amansa os bichos em abandono, do homem que abranda o coração das gentes sem amor, da criança que sorri a qualquer ser vivo sem mentira ou preconceito. Lendas, quase, que se podem encontrar se permitirmos aos nossos olhos ver os mais subtis pormenores da vida. A maioria de nós parece abafar a tendência natural para a bondade, seja por medo de perder o estatuto de ser humano racional (ou outra utopia que o valha), seja por medo de uma emoção tão nobre e quase SUFOCANTE (que nos vicia e transforma).
Há tanto por cuidar neste mundo. Comecemos por todos aqueles que nos rodeiam. Será o princípio duma viagem mais INTEIRA.
Compreende-se que num universo de guerras se levantem as muralhas de qualquer território íntimo, mas, seja por loucura ou ingenuidade, que uma das portas se abra para a passagem da BONDADE.
Ensaiemos. Quem sabe não virá este a ser um sopro de mudança.

NOTA: em breve mais dois GATOS BICHANEIROS e dois HOMENS ANGELUS na loja doutrolugar - depois do desapego ao ofício durante os festejos da família e novo ano, os dedos pedem agulhas e panos.

01 janeiro, 2010

um | 1

É o número criativo. Pode ser visto como separatista ou unificador, minimalista ou universal, ditatorial ou globalizante.
Um dia UM imaginativo.
Retrato: pormenor num carrossel.