15 janeiro, 2010

a leve transparência de ser

Há uma mulher com quem falo, vezes por vez. Tem um rosto simples e bonito, apetece beijar com delicadeza. As falas destilam-se na boca dela, sem pudor nem ousadia. É uma mulher com transparência, leve e fina. Os olhos abrilhantam-se num fogo doce e o sorriso bem pespontado abre-se. Sou uma tonta., soletra. Digo tudo o que me vai cá dentro e depois olham para mim como se fosse uma enloucada. Fico calada diante de tanta pureza. Dá-me vontade de estender-lhe as minhas mãos, apertar-lhe os dedos. Esta mulher com quem falo tem um amor desmedido pelos bichos e pelas gentes. Embala no colo os animais perdidos da rua, faz a cama na própria casa para estrangeiros sem vizindade, corre o mundo por uma ideia em que acredita. Pode chorar, vezes por vez. Podia ter dado mais. Sacode a bata branca como quem levanta poeiras e memórias. Olha pela janela. Sinto-me pequena. Não sei dizer muito. A mim, parece-me que sabe dizer tanto. Há uma mulher com quem falo. E ainda bem.

Os tecidos reaproveitados vão diminuindo na minha prateleira. Daqui a nada é tempo de voltar às senhoras costureiras e ateliers de decoração. São sempre tão generosos e eu, braços carregados de texturas e padrões, sinto-me uma criança a quem deram algodão doce de muitas cores.
A todos os que me têm ajudado neste desafio de artesanato ecológico, OBRIGADA.

Retrato: pormenor de anjo no palácio de Versalhes.

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